Apresentação
Bíblia e Ecologia
Résumé
Apresentamos mais um número da Revista Cadernos de Sion, do Centro Cristão de Estudos Judaicos – CCDEJ. Trata-se de um dossiê singular, na medida em que traz à reflexão a relação entre Bíblia e Ecologia. Atualmente, tem havido uma preocupação com a preservação ambiente, por meio da valorização da questão ecológica em diferentes campos do conhecimento, particularmente, no interior dos estudos teológicos. Embora vários textos bíblicos tenham suscitado uma reflexão ecológica, tais reflexões ainda são um desafio para a Teologia contemporânea. Neste sentido, com foco na associação Bíblia e Teologia, em seu volume 4, número 1, a Revista Cadernos de Sion apresenta doze artigos assim distribuídos: oito artigos no Dossiê Temático e quatro na Seção Atemática e, ainda, uma Entrevista e uma Resenha.
O primeiro artigo do Dossiê Temático, intitulado Fuligem: Econarratividades em Ex 9,8-12, Mathias Grenzer, discute, com base na narrativa exodal, o episódio sobre o sexto sinal e/ou prodígio ocorrido no Egito faraônico. Grenzer se interessa, sobretudo, pela questão de como uma pequena narrativa poética, a partir de seu olhar para as dimensões socioambientais da realidade, chega a refletir sobre Deus. Com isso, o estudo se encaixa no âmbito daquelas pesquisas que hoje, comumente, são chamadas de “leitura verde” da Bíblia. O autor procura pela contribuição dessas tradições literárias milenares questões ecológicas as quais, em princípio, são ecoteológicas.
O segundo artigo BÍBLIA HEBRAICA, DIREITOS HUMANOS E ECOLOGIA: aspectos do reset eco social na literatura jurídica do Antigo Israel em diálogo com os Direitos Humanos na contemporaneidade, Petterson Brey & Marcela Bittencourt Brey visam a estabelecer um diálogo entre a sabedoria que eflui do mundo narrado e o pensamento dos Direitos Humanos, na contemporaneidade, acerca dos temas da ecologia e do bem-estar social. Para isso, os autores entendem que, em ambos os espectros de pensamento, lógicas de exploração da natureza são sintomáticas de relações humanitárias pautadas por injustiças e opressão social. Nesse sentido, tanto a Bíblia Hebraica quanto os Direitos Humanos, na atualidade, investem no ideal de um reset eco social, segundo o qual posturas autocráticas devem ser subvertidas por relações humanas pautadas pela responsabilidade e pela solidariedade mútua entre as pessoas, bem como pelo cuidado da natureza como casa comum da humanidade.
Em seguida, em AS OCORRÊNCIAS DE λίμνη (LAGO) NO EVANGELHO SEGUNDO LUCAS: A NATUREZA COMO FATOR REVELATÓRIO, Vamberto Marinho de Arruda Junior analisa as ocorrências lucanas do termo λίμνη (lago), em primeiro plano e de eventos que aconteceram em cidades próximas (Cafarnaum e Betsaida) e, em segundo plano, verifica qual a importância deste local no ministério de Jesus e como eles (Cristo e o corpo de água) estão ligados. O lago, ambiente de preservação e surgimento de vida, aparece figuradamente como uma sombra do Autor e preservador de toda vida, em Lucas. Dessa forma, os seguidores de Cristo devem ajudar na preservação das águas, como forma de partilhar, em pequena escala, na ajuda da conservação da vida para esta e futuras gerações.
O quarto artigo, intitulado O PENTATEUCO E AS NARRATIVAS SOCIOAMBIENTAIS, Luciano José Dias examina, com base em textos do Pentateuco, a questão ecológica, esclarecendo como esse texto se interessa positivamente pela natureza, ora por compreendê-la como criação divina, ora por entender que somente a convivência harmoniosa do ser humano com todos os outros seres, permite a sobrevivência da humanidade. No caso, um número maior de narrativas e formulações jurídicas do Pentateuco mostra-se diretamente favorável à preservação da fauna e da flora. O autor conclui que a todo tipo de vandalismo, destruição inútil, maus-tratos e exploração ilimitada da natureza, o legislador israelita opõe o mandamento: “Não danificarás!” (Dt 20,19b). Por isso, examinar o Pentateuco, obra literário-religiosa milenar, pode favorecer processos atuais de aprendizagem em vista da urgente preservação do ambiente.
No artigo JUSTIÇA SOCIAL E ECOTEOLOGIA NO ANO SABÁTICO DA TERRA, Jean-Luc Fobe discute como o cristianismo tem sido responsabilizado pela crise ambiental atual, marcada pelo excessivo antropocentrismo, falta de responsabilidade com o meio ambiente, substituição do animismo das religiões primitivas, pela filosofia cristã e por uma atitude conformista na degradação do meio ambiente, com a adoção de uma teologia da redenção em detrimento a uma teologia da criação. Para Fobe, a teologia bíblica do ano de descanso da terra ou Shmitta do Antigo Testamento traz uma consciencialização ecológica do cuidado da terra de maneira integral e inseparável da justiça social com combate a fome e a pobreza. Os princípios bíblicos do cuidado da terra com justiça social são revisitados em vários textos do Antigo Testamento.
No seguinte artigo, intitulado ECONARRATIVIDADES BÍBLICAS: DESAFIOS PARA CRIAÇÃO, Maria Cristiane Santos & Marivan Soares Ramos visam a apresentar a forma como as Sagradas Escrituras judaico-cristãs, Palavra de Deus para judeus e cristãos, refletem sobre a diversidade da vida. É de interesse dos autores verificar como as narrativas bíblicas se preocupam com a manutenção e preservação da obra criadora do Deus de Israel e de Jesus Cristo, superando a visão tradicionalista antropocêntrica fechada e admitindo uma ética do cuidado e respeito. Nesse sentido, apontam um modelo de comportamento para os seres humanos, que nelas acreditam. As tradições judaico-cristãs podem, juntamente com outras religiões e pessoas de boa vontade espalhadas por todo mundo, se unirem para garantir a continuidade dos ecossistemas e sua variedade de vidas.
No sétimo artigo, QUEM ESTÁ NO DESERTO?, último Dossiê Temático, Fernando Gross levanta uma série de questões e, a partir delas, reflete sobre a possibilidade de uma Teologia, que faça uma leitura verde das Escrituras e possa vir em socorro e em resgate da vida ameaçada.
O primeiro artigo da Seção Atemática, intitulado A INFIDELIDADE DOS JUDEUS: JOÃO 12,37-43 E SUA RELEITURA DE ISAÍAS 53,1 e 6,9-10 Waldecir Gonzaga & Paulo Cesar Machado Faillace mostram que a citação de duas passagens do profeta Isaías atestam e reforçam a antiga e obstinada situação de incredulidade do povo israelita frente às ações salvíficas de Deus e que, ao citá-las, o evangelista João resgata a continuidade da dureza de seus corações, que os impede de ver em Jesus o Cristo, o enviado do Pai. Pela utilização do método histórico-crítico, como a tradução segmentada e a estrutura da perícope, os autores fazem uma comparação entre as citações nos idiomas em que foram escritas e um breve confronto entre sinais (João) e parábolas (Sinóticos). Além disso, uma síntese do inter-relacionamento das citações com a perícope Jo 12,37-43 são confirmadas uma leitura em chave messiânica e o reconhecimento de Jesus Cristo como o Filho, predito pelos profetas e o Messias enviado pelo Pai para a salvação da humanidade.
No artigo seguinte, intitulado As Berakhot de Jesus no Seder de Pesah, Donizete Luiz Ribeiro & Estevão Oliveira de Souza apresentam um breve estudo histórico-bíblico das bençãos judaicas, utilizadas no seder de pesaḥ, realizadas por Jesus no decorrer da celebração, antes do ápice de sua missão, isto é: sua prisão, crucificação, morte e ressureição. Souza & Ribeiro consideram que o uso proposto por Jesus vai ao encontro da tradição de seu povo e ao mesmo tempo seu gesto atualiza as berakhot e imprime na comunidade nascente o primeiro dado da tradição, ou seja, celebrar e elevar a Deus sempre em orações.
No artigo AS QUATRO ESPÉCIES (LULAV) NA FESTA DE SUKKOT, Lucas de Andrade Flor Santos & Paulo Antônio Alves apresentam o rito do Lulav e sua simbologia dentro da festa de Sukkot. O Lulav é fruto da experiência de fé do Povo de Israel ligada à festa de Sukkot: “a festa do Senhor” (Lv 23,39.41). O seu cenário é escatológico. Para a Teologia cristã, Jesus também vive e cumpre, na sua totalidade, as exigências e a compreensão da festa e de seus ritos, conforme apresentado no quarto Evangelho atribuído a João. Os autores lembram, ainda, que o rito do Lulav não aparece explicitamente no Novo Testamento, mas nele é possível encontrar laços desse rito.
O último artigo, intitulado ADONAI: A ORIGEM DO SEU NOME E OS MISTÉRIOS EM TORNO DESSE DEUS, Cláudio Franciscano Cândido & Joel Moreira propõem-se a relatar as variações do nome de Deus e o mistério que gira em torno Dele. Os autores discorrem sobre a origem de Adonai e a região em que se originou, além de aspectos que marcaram Sua trajetória. Os autores sagrados, ao utilizarem o Nome de Deus no Primeiro Testamento, esclarecem o desejo do Eterno de se revelar à Sua criação. Assim, surgem questionamentos em torno de seu Nome. Assim, tem-se a intenção de compreender o universo cultural e peculiar das narrativas dos textos sagrados que apresentam a Revelação de Deus. O mistério em torno dele, a origem do Seu Nome e como Ele se tornou o Escolhido pelo povo de Israel. Dessa forma, busca-se analisar obras sobre o Antigo Israel para obter uma melhor compreensão de como se dá a Revelação de Deus e sua trajetória como Único Deus.
Na seção Resenha, Sergio David Sotelo Espitia dedica-se a resenhar o livro HARRINGTON, Daniel J. & KEENAN, James F. Jesus e a ética da virtude. Construindo pontes entre os estudos do Novo Testamento e a teologia da moral. São Paulo: Loyola, 2006. Nesta obra, os dois autores, jesuítas visam a relacionar a Teologia da Moral com os estudos da Bíblia, seguindo a orientação dada pelo Concílio Vaticano II, no decreto sobre a formação sacerdotal Optatam totius. O foco dos autores é a ética da virtude que, para eles, se fundamenta no Novo Testamento, na resposta humana à graça de Deus, às necessidades e aos desejos éticos dos cristãos.
Agradecemos aos organizadores e a todos (as) que se dispuseram a colaborar para a publicação de mais esse volume de Cadernos de Sion, na expectativa de que os temas aqui tratados suscitem reflexões e interesse acadêmico por outros estudos na área da Teologia judaico-cristã.