Apresentação

  • Donizete Luiz Ribeiro
  • Jarbas Vargas Nascimento
Palavras-chave: Teologia

Resumo

É com grande satisfação que colocamos a público mais um número da Revista Cadernos de Sion, revista semestral do Centro Cristão de Estudos Judaicos - CCDEJ, mantido pelo Instituto Theodoro Ratisbonne. É objetivo do CCDEJ desenvolver pesquisas no campo da Teologia e do diálogo cristão-judaico, sempre valorizando o vínculo do cristianismo com a tradição judaica.

Esse volume apresenta o dossiê: Leitura e releitura de textos neotestamentários, tendo como pano de fundo as práticas judaico-cristãs no primeiro século. Nesse sentido, os artigos examinam textos neotestamentários, a partir de práticas ritualizadas presentes na tradição judaica e debatidas no Novo TestamentoPodemos observar isso na prática da circuncisão, na observância do sábado, ou nas leis dietéticas. Com isso, temos, por um lado, a prática dos preceitos judaicos que visam à revitalização dos costumes do povo escolhido e, por isso mesmo, sua afirmação no cenário político-religioso. Por outro lado, a nova comunidade judaico-cristã busca legitimar sua presença, no contexto sociorreligioso, fundamentando suas práticas inovadoras (hidush) nos ensinamentos de Jesus de Nazaré.

O primeiro artigo, Mamom: noções sobre riqueza entre os primeiros cristãos e os primeiros rabinos, Alexandre Leone apresenta e discute o conceito de mamon e os valores associados à riqueza e aos bens materiais no contexto judaico durante os séculos finais da Antiguidade, quando o aramaico era o idioma principal da diáspora judaica oriental e o grego o idioma principal da diáspora judaica ocidental. Para Leone, os primeiros rabinos e os ebionitas tinham diferentes visões de como lidar com mamon, a riqueza e que resultou diferentes visões e perspectivas religiosas da relação entre a riqueza e sua distribuição.

No segundo artigo, Oséias 6,6a e o “shabbat-misericórdia” como centro da dupla controvérsia mateana em Mt 12,1-14Donizete Luiz Ribeiro relaciona, argumenta e busca esclarecer que a misericórdia, tão fundamental para Oséias, foi retomada em Mateus como figura central da prática judaico-cristã e pode ser entendida em relação ao shabbat. Assim, misericórdia e shabbat, na compreensão mateana, à luz do seu enraizamento judaico e de seu “milieu vital”, podem ser entendidos como “shabbat-misericórdia” enquanto centro e resposta à dupla controvérsia materializada no evangelho de Mateus.

Em A comunidade de Mateus e sua relação com o judaísmo formativoDonizete Scardelai destaca as tensões e hostilidades acirradas que marcaram a relação entre dois grupos judaicos, que coexistiram na Galileia no final do século I e.c, representados por Mateus e os fariseus. O pano de fundo histórico dessa relação conflituosa está na destruição de Jerusalém, em 70 e.c, ponto nevrálgico para uma análise do ambiente instável dessa relação. A instabilidade política, o caos social e o definhamento das principais instituições judaicas, causados por esse acontecimento, obrigaram os grupos judeus sobreviventes a reavaliarem seus conceitos, símbolos e tradições herdados do antigo Israel. Nesse cenário de tantas incertezas, o grupo farisaico, de maior prestígio popular e principal corrente judaica no fim do Segundo Templo, se fortaleceu sob a liderança dos sábios rabis. Constituídos de judeus, porém bem menos influente, os primeiros seguidores de Jesus na Galileia formaram uma pequena comunidade sugerida no Evangelho segundo Mateus.

Manoel Ferreira de Miranda Neto, em A questão da circuncisão no processo de evangelização na comunidade da Galácia aponta que, no início do cristianismo, surgiu uma grande polêmica em torno da circuncisão. Alguns cristãos de origem judaica defendiam que todos os cristãos oriundos do paganismo deveriam ser circuncidados e cumprir a lei de Moises. Colocando-se contra essa posição, Paulo, sobretudo na carta aos Gálatas, faz uma apologia contra a lei de Moises com intuito de revelar a ineficácia da lei diante da fé em Jesus. Miranda Neto reflete que, para um leitor judeu, a Carta de Paulo aos Gálatas é desconcertante. Mesmo para um leitor cristão, que aprendeu a apreciar o valor das Escrituras, o rigorismo Paulino com relação à lei é incompreensível. Antes perseguidor da Igreja pelo zelo à lei, irrepreensível quanto à justiça da lei, agora parece relativizar a lei. Como entender então essa nova postura Paulina pós conversão?

Oberdan Santana da Silva, no artigo seguinte, intitulado Jesus e a lei: o judaísmo de Jesus, trata das leis do Shabat e das leis dietéticas e de pureza, confrontando-as com atitudes e ensinamentos de Jesus narrados nos Evangelhos. O levantamento bibliográfico sobre o tema e a análise dos relatos evangélicos selecionados revelou que, embora a pregação de Jesus sobre alguns pontos da Lei transmita à primeira vista a ideia de ruptura, o propósito de Jesus não era refutá-la, mas promover maior fidelidade a Deus a partir da correta interpretação da Torah. Segundo Silva, é possível dar enfoque à historicidade de Jesus sem atentar contra a fé cristã e que tal procedimento pode auxiliar a melhor compreendê-Lo e, consequentemente, a Igreja, em sua origem, dando credibilidade aos fatos narrados pelos Evangelhos.

Luciano José Dias, em Puro e impuro, o percurso da lei: de Moisés ao evangelho de Jesus, reflete sobre aspectos dos diferentes contextos em que as leis foram criadas, como seu desenvolvimento e reinterpretação no conjunto dos Evangelhos, no tempo em que estavam sendo escritos. Assim, aprofunda o conhecimento da Torá/Pentateuco, compreendendo seu caráter de ‘Instrução’ muito mais do que simplesmente ‘Leis’. Dias lembra-nos que o livro de Levítico concentra grande parte das leis de Israel, inclusive a do puro e impuro, e que Jesus seguirá essas leis e, por vezes, se colocará contrário a elas.

O artigo seguinte, Alguns aspectos do sétimo dia ou shabbat nas escrituras e na tradição judaico-cristãPaulo Antonio Alves e Marivan Soares Ramos se propõem a apresentar o sétimo dia, shabbat, como fonte geradora de comunhão e vida. Foi por meio da ação libertadora de Deus que Ele concedeu sua aliança, que por sua vez, deve ser lembrada e guardada de geração em geração como sinal do amor perpétuo de Deus por seu povo. A teologia da shabbat vivenciada pela tradição de Israel apresenta ecos na teologia do domingo, graças à escuta de Israel na Igreja. Para ao autores, a comunidade cristã, ao praticar os preceitos dominicais, manteve-se ligada à prática da shabbat. Isto se deve porque a ressurreição de Jesus sinaliza a vitória da vida sobre a morte, pois atualiza a libertação de Deus na história que deve ser lembrada e guardada de geração em geração.

Em O shabbat então e agora:  algumas reflexõesSaul Kirschbaum encerra os artigos desse volume de Cadernos de Sion, refletindo como povo judeu recebeu a obrigação de santificar e observar o shabat por ocasião da grande epifania do Monte Sinai, o recebimento da Torá por Moisés, há cerca de quatro milênios. Para Kirschbaum, o conceito do shabat bem como o cumprimento de seus preceitos vêm sofrendo transformações, de acordo com as condições sociais, econômicas e políticas às quais a nação foi submetida ao longo de sua história, bem como com as diferentes visões de mundo elaboradas por rabinos e filósofos representantes de diversas correntes de pensamento.

Na seção resenha, José Benedito de Campos apresenta o livro “Convidados ao banquete nupcial: Uma leitura de parábolas nos Evangelhos e na Tradição Judaica”, escrito por Pe. Donizete Luiz Ribeiro, NDS. Doutor em Teologia pelo Instituto Católico de Paris. Superior Geral da Congregação dos Religiosos de Nossa Senhora de Sion desde 2011. Esta obra é a terceira publicação da Coleção Judaísmo e Cristianismo, do CCDEJ que, em conjunto com a Distribuidora Loyola/Edições Fons Sapientiae, tem como objetivo principal “apresentar pouco a pouco o pensamento e a ação de alguns autores que contribuem para a difusão da Tradição de Israel e da Igreja”.  No livro, entre outros aspectos, destacam-se as semelhanças literárias e teológicas entre as parábolas e os meshalim.

Por fim, na seção entrevista, Pe. Ilário Augusto Mazzarolo, sacerdote da Congregação dos Religiosos de Nossa Senhora de Sion, responde e narra alguns fatos e experiências de sua vida consagrada, marcada pelos irmãos Ratisbonne, pela vida pastoral e pela virada copernicana de Nostra Aetate na Igreja.

Nossos agradecimentos aos autores, aos colaboradores e às equipes técnica e científica o esforço para a finalização dessa edição da Revista Cadernos de Sion.

Excelente leitura.

 

Prof. Dr. Pe. Donizete Luiz Ribeiro

Prof. Dr. Jarbas Vargas Nascimento

Editores

Publicado
2021-12-21
Como Citar
Ribeiro, D. L., & Nascimento, J. V. (2021). Apresentação. CADERNOS DE SION, 2(2), 1-4. Recuperado de https://ccdej.org.br/cadernosdesion/index.php/CSION/article/view/25