Apresentação

  • Donizete Luiz Ribeiro
  • Jarbas Vargas Nascimento
Palavras-chave: Apresentação, Cadernos de Sion

Resumo

É com imensa alegria que lançamos a público esta edição da Revista Cadernos de Sion, publicação semestral do Centro Cristão de Estudos Judaicos - CCDEJ, mantido pelo Instituto Theodoro Ratisbonne. É objetivo do CCDEJ desenvolver pesquisas no campo da Teologia, dos estudos de cultura judaica e do diálogo cristão-judaico, valorizando o vínculo do cristianismo com o judaísmo. Buscamos, também, compartilhar estudos e pesquisas na grande área da Teologia, construindo redes de interlocução entre autoras e autores e todos os que se interessem pelos dossiês que propomos nas diferentes edições desta Revista.

Esta edição, organizada pelo Prof. Dr. Rabino Alexandre Leone e pelo Prof. Me. Pe. Fernando Gross, propõe um dossiê temático que visa a refletir sobre o modo de filosofar do judeu Abraham Joshua Heschel e de sua contribuição intelectual que, com base na tradição judaica, aponta caminhos de diálogo para o ser humano moderno. Queremos, particularmente, agradecer aos organizadores e a todos os articulistas, que colaboraram para a concretização dessa edição.

Assim, iniciamos este volume de Cadernos de Sion com o artigo O humanismo sagrado como crítica da modernidade em Heschel, de autoria de Alexandre Leone, que aborda aspectos do humanismo religioso de Heschel, para quem a questão fundamental de nossa época é como pensar, sentir e viver de um modo que reflita o reconhecimento de que o ser humano é a imagem divina. Segundo Heschel, o ser humano é a única entidade na natureza a quem o sagrado pode ser associado. Em sua trajetória de pesquisa, influenciado por profetas bíblicos, Heschel deixou a vida acadêmica, a fim de se engajar em movimentos sociais e em questões em prol dos direitos humanos, do diálogo inter-religioso, do movimento pacifista contra a Guerra do Vietnã e contra a miséria. Em síntese, sua obra reflete um humanismo religioso e libertário, base de sua crítica à barbárie subjacente ao processo histórico de desumanização pelo qual passa a civilização contemporânea. Heschel, como se nota no desenvolvimento desse artigo, acentua que a verdadeira fonte de valor é o ser humano, não os fetiches de consumo cultuados pela sociedade tecnológica.

Elca Rubinstein e Francisca Cirlena Cunha Oliveira Suzuki, em Deus nos segue, nos sonda: diálogo de saberes, fazem uma homenagem a Abraham Joshua Heschel no 50º ano de sua morte. Para tal, as autoras analisam dois poemas escritos por Heschel, ou seja, o encontro entre o Salmo 139 e um poema de que revela o olhar Divino sobre a vida cotidiana do ser humano. Segundo Heschel, na visão das autoras, o ser humano é capaz de construir pontes para dialogar com o diferente, a partir dos ensinamentos bíblicos, os quais orientam a caminhar e, com isso, eleva o pensamento humano. Por meio de uma observação pragmática, podemos vislumbrar o encontro de Heschel com os cristãos e, ainda, voltar os olhos para os profetas da atualidade, que rezam e caminham ao lado dos que lutam pela libertação dos viventes em situações desumanas.

Em seguida, no artigo intitulado Pathos divino e a oração em movimento: a mística de olhos abertos de Abraham Joshua Heschel, Cicero Lourenço da Silva, discute a concepção profética de Heschel, com base em uma categoria teológica do jesuíta e teólogo cristão Johann Metz. Para esse jesuíta, a ação espiritual no mundo deve se apresentar como um “misticismo de olhos abertos”, sem o qual se corre o risco de uma “privatização da fé”, que se satisfaz, buscando o encontro com o divino na interioridade. Refletindo sobre essa premissa, Silva trata a noção hescheliana de profecia como uma apreensão de um “pathos divino”, que apreende um Deus pessoal, interessado tanto na história humana quanto em um mandamento para a construção da justiça no mundo, noções basilares da teologia bíblica hescheliana. Para Silva, Heschel propicia uma base bíblica e teológica para um engajamento espiritual que não se evade do mundo.

Lucca Bacal, em Sugestão para uma leitura de Heschel fundada na hermenêutica rabínica, apresenta uma possível chave da obra de Heschel e questiona se as preocupações críticas com a existência ou a não coerência filosófica interna na obra de Heschel, sistematizada em Marmur, podem ser fruto de um desencontro metodológico com o material fonte. Para Bacal, é possível que a ausência de rigor filosófico aponte para um rigor de outro gênero, herdado do raciocínio rabínico e, por isso, desprovido de rigor sob a perspectiva da lógica natural. Para tanto, o autor considera a distinção feita por Heschel em “God in Search of Man” entre a mente grega e a mente bíblica, que toma como ponto de partida os pressupostos constituintes de sua versão autoral do que é o horizonte de sentidos judaico. A partir disso, Bacal faz um breve levantamento de operações e características presentes nos corpora rabínicos centrais, a Mishná e o Talmud, que ecoam em operações e características presentes em Heschel e sugere que determinados elementos de “Who is Man?” fundamentam-se em um conceito talmúdico, a Kushiá.

No artigo intitulado Nenhuma religião é uma ilha: diálogo religioso na perspectiva de Abraham Joshua Heschel, Maria Cristina Mariante Guarnieri faz uma reflexão a partir de um ensaio de Abraham Joshua Heschel, intitulado Nenhuma religião é uma ilha, que foi originalmente elaborado como discurso inaugural no Union Theological Seminary. Nesse texto, Heschel desenvolve a ideia de que a interação entre judeus e cristãos é urgente e necessária para desenvolver uma espiritualidade capaz de remover traços, que idolatram e idealizam conceitos resultantes de regimes despóticos como o nazismo. Segundo Garnieri, Heschel postulava que nenhuma religião é uma ilha, pois todos os seres humanos estão comprometidos um com o outro, por isso, a traição espiritual de um afeta a fé de todos. O artigo reforça que a fé é a do base do ecumenismo que, Heschel, se torna urgente contra a expansão do niilismo, que está influenciando o mundo todo.

Já no artigo Heschel e a Democracia, Fernando Gross e Guershon Kwasniewski questionam e discutem o motivo pelo qual Heschel era tão importante para a democracia e por que ele acreditava numa conexão entre religiosos judeus e não-judeus, cristãos e outros pela promoção de uma democracia mais atenta aos problemas das pessoas do que pelos interesses próprios. Heschel era um judeu dedicado a salvaguardar a democracia pela ajuda unida de judeus e não-judeus, sugerindo uma política editorial de mente aberta. Em suma, os autores esclarecem que há motivações e princípios criados por Heschel que persistem e ainda dão frutos na vida religiosa e política de uma sociedade, em favor de uma democracia e convivências melhores.

Enfim, concluindo este dossiê sobre Heschel, Donizete Luiz Ribeiro, Cicero Lourenço da Silva e Marivan Soares Ramos que estavam presentes no Simposium internacional sobre: Heschel, the Theologian Poet, organizado pela USP, nos dias 23 e 24 de agosto de 2022, na USP, selecionam e transcrevem em inglês, o fecundo diálogo em forma de pergunta e resposta entre Susannah Heschel, a filha de Yoshua Abraham Heschel e os participantes deste citado Simposium. Trata-se de um fecundo testemunho ocular da filha Drª Susannah Heschel sobre o itinerário intelectual de seu pai, bem como outras informações de primeira mão sobre seu círculo humano-literário Yiddish e seus engajamentos éticos em prol da humanidade.

Cadernos de Sion publica, também, nesse volume, quatro artigos com temas livres, que apresentamos a seguir.

Waldecir Gonzaga e André Pereira Lima, em artigo intitulado A profissão de fé de Tomé (Jo 20,28) e sua base veterotestamentária (Sl 35,23), apresentam uma instigante reflexão sobre Jesus Senhor (Jo 20,1-31) e suas aparições e analisam, dentre outras confissões de fé narradas no Evangelho de João, a profissão de fé de Tomé (Jo 20,28) e sua base veterotestamentária, a partir do Sl 35(34),23. Gonzaga e Lima propõe um estudo que oferece segmentação e tradução da perícope Jo 20,24-29, sua estrutura à luz da Análise Retórica Bíblica Semítica, além de uma análise de seu uso provável do Sl 35(34),23, sua localização no bloco temático da ressurreição e um comentário exegético-teológico. Este artigo, portanto, convoca-nos a revisitar e ressignificar por meio de uma releitura a perícope Jo 20, 24-29.

Em A contribuição de Renée Bloch para os estudos bíblicos, Donizete Luiz Ribeiro e Marivan Soares Ramos objetivam homenagear Renée Bloch, exímia conhecedora da Literatura Rabínica. Para isso, Ribeiro e Ramos buscam expor, neste artigo, a contribuição de Bloch para a exegese judaico-cristã, ainda válida por meio da abordagem do método comparativo. Ressaltam que Bloch valeu-se de uma ampla literatura judaica, a fim de conduzir seu leitor a um mergulho profundo na tradição de Israel. Neste sentido, a autora estabelece associações textuais entre os dois Testamentos com aproximações interpretativas aguçadas. Esse era o modo interpretativo comum no período do Segundo Templo, o qual chamavam de Midrash, isto é, a busca incansável pelo sentido do texto. Com base nessa abordagem, Bloch, de modo especial, convida seus leitores a fazer uma aproximação entre duas importantes figuras bíblicas: Moisés e Jesus, pela leitura midráshica dos textos.

Na sequência, Suellen Moutinho da Silva de Oliveira, no artigo intitulado Em nome de Deus, eu político: o discurso bíblico-político na sociedade atual, discute o atravessamento do discurso bíblico no discurso político, no gênero discursivo tweet, verificando as consequências discursivas desse atravessamento e suas implicações interdiscursivas. Para tal, Oliveira parte do princípio de que a bíblia é o livro mais lido no Brasil e entende a sua influência e pertinência nos discursos dos sujeitos políticos. O marco teórico-metodológico se alicerça nos postulados de Patrick Charaudeau, que trata do discurso político e assume uma perspectiva semiolinguística do discurso. O corpus de análise são postagens (tweets) de dois sujeitos políticos: o presidente da República Federativa do Brasil, Jair Messias Bolsonaro e o ex-prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Marcelo Bezerra Crivella.

Jorge Augusto Candiani Silva, em Ética sexual cristã e a construção da subjetividade. Uma reflexão sobre a condição homossexual na discursividade, problematiza, no campo da ética, o fenômeno da homossexualidade em seu âmbito religioso (teologia católica e comportamental) a partir de uma interpretação com base em elementos antropológicos, históricos, culturais e existenciais. Para Silva, a homossexualidade, dentro e fora do contexto religioso, ainda está marcada por uma perspectiva antropológica dualista, rigorista, e com acentuações de caráter doutrinal e normativo, que pouco considera a realidade e os dramas da pessoa. Do ponto de vista teológico, é urgente reintegrar e dialogar, de forma crítica, a experiência humana da sexualidade com a fé, realidade interior do sujeito, na medida em que é chamado, mediante uma vida virtuosa, a aprofundar seu mistério pessoal.

Na seção Resenha, Victor Antonio Valdo dedica-se a resenhar o livro do rabino Philippe Haddad Como Jesus lia a Torá: sair do mal-entendido entre Jesus e os fariseus. Nesta obra, Haddad apresenta vários aspectos, semelhanças e alguns antagonismos, relativos aos ensinamentos dos fariseus e aqueles que Jesus legou a seus discípulos. O propósito da obra é o de desconstruir o estereótipo negativo, alimentado, sobretudo, pelo catolicismo, contra os fariseus de como são apresentados com ‘aparente negatividade’ nos textos do Novo Testamento.

            Mais uma vez, agradecemos a todos os que se dispuseram a colaborar para a publicação de mais esse volume de Cadernos de Sion, na expectativa de que os temas aqui tratados suscitem interesse acadêmico por outros estudos na área da Teologia judaico-cristã.

Publicado
2022-12-28
Como Citar
Ribeiro, D. L., & Nascimento, J. V. (2022). Apresentação. CADERNOS DE SION, 3(2), 1-6. Recuperado de https://ccdej.org.br/cadernosdesion/index.php/CSION/article/view/56